Aporte Teórico


Tipos de bullying
 (Texto retirado na íntegra do livro: GUARESCHI, Pedrinho A. BULLYING
mais sério do que se imagina. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2008.)

O termo bullying é,utilizado, em seu sentido mais restrito, para designar estes atos de violência; um tipo de prática perversa, no qual predominam humilhações sistemáticas a crianças e adolescentes no ambiente escolar. Porém, quando nos referimos a este fenômeno, estamos falando de uma diversidade 'de atitudes e situações que caracterizam um problema social.
Primeiramente, o comportamento bullying pode ser classificado como direto ou indireto, sendo que ambos os tipos são agressivos e prejudiciais à vítima. O primeiro, o bullying direto, ocorre quando as vítimas são atacadas diretamente, por práticas imediatas, através de apelidos, agressões físicas, ameaças, roubos, ofensas verbais ou expressões e gestos que geram mal-estar aos afetados. Este tipo ocorre com mais freqüência entre meninos. Já o bullying indireto ocorre quando as vítimas estão ausentes e os autores criam situações de divisão, discórdia, indiferença, agindo através da fofoca, manipulação de amigos, mentiras, isolamento de alguns, difamação e discriminação, com o propósito de excluir a vítima de seu grupo social, sendo mais praticado pelas meninas. Devemos ressaltar que tais atitudes são tão importantes e carecem de tanto cuidado quanto as agressões físicas, pois também podem causar danos psicológicos e graves conseqüências, como se verá no capítulo 5.
Além desta classificação, podemos subdividir o bullying de acordo com as diferentes formas através das quais ele é praticado. Atitudes como colocar apelidos em alguém, ofender, humilhar, insultar, ameaçar ou acusar pessoas de que não servem para nada caracteri¬zam uma forma verbal de bullying, na qual os autores agridem a vítima através de palavras e, principalmente, apelidos maldosos.
Um exemplo desta prática verbal de bullying é o caso do menino H., de 16 anos. Ele foi apelidado de Bob Esponja e Bombril por causa dos seus cabelos crespos e do seu jeito tímido e calado. Aos poucos foi sentindo-se rejeitado e isolou-se da turma. Ele disse 'que quanto mais os colegas caçoavam dele, mais se isolava e sofria. Expressou sua angústia dizendo que gostaria de desaparecer e nunca mais ouvir falar em escola.
Outra forma de bullying dá-se através de violência física. Ataques físicos repetidos contra uma mesma pessoa (seja contra seu corpo ou algo que lhe pertença); agredir, bater, chutar, empurrar, ferir, roubar e quebrar pertences, são exemplos de atitudes violentas. Neste caso, as conseqüências não são apenas psicológicas, mas podem causar ferimentos graves à vítima
Um exemplo desta prática de violência física contra uma pessoa é o caso de um menino de nove anos, de uma 3ª série (Fante, 2005). Ele era constantemente ameaçado por um outro menino da escola, que queria seu dinheiro e seu lanche. Na saída da aula, ele apanhava deste menino, e tinha que dar dinheiro a ele. Começou a apanhar na entrada da aula também, tendo que aumentar mais o dinheiro que dava. Quando ele resolveu contar para o diretor o que estava acontecendo, passou a apanhar mais ainda e a ter que dar mais dinheiro ao agressor, além de receber constantes ameaças.
O bullying também é praticado através de comportamentos maldosos contra uma mesma pessoa. Discriminar, excluir, isolar, ignorar, intimidar, perseguir, assediar, aterrorizar, amedrontar, tiranizar, dominar, danificar objetos pessoais, espalhar rumores e fofocas, fazer chantagem, comentários depreciativos sobre a família da vítima, o local, de moradia ou de proveniência, aparência pessoal, orientação sexual, religião, raça, nível de renda, nacionalidade etc., são exemplos de comportamentos de autores de bullying contra outra pessoa. Neste caso, a vítima não sofre violência física e nem xingamentos, porém não consegue desenvolver amizades, e está constantemente com medo de que algo de mau lhe aconteça.
Podemos citar como exemplo o caso de um menino que cursava a 5ª série. Ele sofreu perseguições de alguns colegas porque não gostava de jogar futebol. Era tímido, chorava com facilidade e não conseguia responder aos ataques de alguns companheiros de escola, passando a ser rejeitado pela turma. Ninguém queria sua participação nos trabalhos em grupos, ou em jogos em equipe. Não tendo outra saída, aproximou-se de algumas meninas e, como resultado, ganhou o apelido de bicha. Por isso, passou a ser perseguido e humilhado, no horário do recreio, como um alvo de diversão por parte de vários alunos. Começou a faltar às aulas com certa freqüência, alegando que estava doente, que tinha muita dor de cabeça e que não dormia direito. Seu aspecto era triste e deprimido. Parecia que estava sempre com medo de que algo ruim lhe fosse acontecer.
Encontramos também exemplos destes três tipos de práticas do bullying combinadas, ou seja, uma mesma pessoa pode ser vítima de agressão verbal, física e de comportamentos maldosos em relação a ela, como no caso de uma menina que contou sua experiência. Ela foi vítima de bullying durante toda sua vida escolar, e viu tudo piorar quando tinha 14 anos. Nesta época, quando já estava cansada das agressões verbais e físicas sofridas, mudou-se de colégio. Entretanto este novo ambiente não foi mais acolhedor. Pelo contrário, as pessoas continuaram a empurrá-la, gritar e até roubar suas coisas. Ela parou de comer e entrou em depressão.
Um outro tipo de bullying, mais atual e sofisticado, é o cyberbullying. Esta é uma prática de violência que utiliza a internet e outras tecnologias de comunicação para humilhar, desprezar, ridicularizar, intimidar, excluir, ameaçar etc. outras pessoas. Esta forma pode ocorrer através de mensagens ofensivas ou até através de sérias difamações. Esta violência virtual, que pode parecer inofensiva, é capaz de gerar os mesmos tipos de conseqüências que outras formas de bullying. A diferença dessa última prática de difamação parece garantir impunidade e anonimato, visto que, devido a seu desconhecimento ou por ser mais recente, poucas pessoas recorrem à justiça (Fante, 2005).
Uma estudante de direito narra como foi vítima dessa prática. Ela era discriminada na escola, sendo chamada de baleia, monstro do mar, entre outros apelidos. Esta discriminação continuou através da internet, na qual ela sofreu ameaças contra sua integridade física e também contra seu patrimônio (Globo, 2007).
O jornal inglês 'lhe Epoch Times (2007) trouxe uma reportagem em que se pode constatar que esse tipo de agressão está se tomando generalizado e cada vez mais sofisticado. As investidas se dão principalmente através do celular, já que 96% dos estudantes o possuem. Comentando episódios acontecidos no Japão, narra que grupos de alunos, comportando-se como gangues, escolhem suas vítimas e molestam-nas de todos os modos. Fotografam-nas e passam a foto aos colegas, pedindo que a agridam e a ofendam. As mensagens são de todo tipo, desde ofensas pessoais, até sugestões fortes e insinuantes de que o melhor caminho é elas se suicidarem. Muitas das vítimas confessam que já estavam à beira do suicídio e só se saivaram pois conseguiram pedir auxílio aos pais, professores e a outros colegas.

Diferentes papéis no bullying
Abordamos, nas páginas anteriores, o fenômeno bullying nas diferentes formas em que ele pode ser praticado (verbal, física, comportamental e eletrônico). Existem, certamente, muitas outras formas de como ele pode se materializar. Podemos entender melhor este fenômeno ao analisarmos os participantes desta prática e seus diferentes papéis, especificando e aprofundando, dessa forma, esse tipo de ação. Para que o bullying ocorra, é necessário que exista uma vítima, que é o alvo das agressões e da violência; e também o autor, que é quem pratica o bullying através de atos, em geral repetidos e constantes, contra uma mesma pessoa. Muitas vezes existem também espectadores, que assistem ao que acontece, geralmente sem saber o que fazer.
As vítimas, ou alvos, do bullying são os prejudicados que sofrem as conseqüências do comportamento agressivo das outras pessoas. Elas, normalmente, passam a demonstrar sentimentos de insegurança e de inferioridade, 'que são incrementados com a intimidação sofrida, o que as impede de reagir ou solicitar ajuda. A baixa auto-estima destas pessoas é agravada pelas intervenções críticas, ou pela indiferença por parte dos adultos em relação ao seu sofrimen¬to, o que faz com que algumas acreditem ser merecedoras do que lhes é imposto. As vítimas, de modo geral, possuem algumas características em comum, como, por exemplo: aspecto físico mais frágil, timidez, ter poucos amigos, ser pouco sociável, ser quieto e encabulado. Ao sofrer os efeitos do bullying, elas passam a piorar seu desempenho escolar, recusando-se a ir para a escola Muitas vezes, chegam a simular doenças; trocam de colégio ou abandonam os estudos, podendo até entrar em depressão.                  
Os autores, ou agressores, são pessoas que, comumente, manifestam pouca empatia. Freqüentemente pertencem a famílias desestruturadas, nas quais há pouco relacionamento afetivo entre seus membros, não havendo quase cuidado e preocupação sobre os comportamentos problemáticos dos filhos. Além disso, o modelo para solucionar conflitos é um comportamento agressivo ou explosivo. Os autores também possuem algumas características em comum, como, por exemplo: impulsividade, falta de controle de sentimentos de intolerância, baixa resistência a frustrações e idéia de superioridade perante os outros. O desempenho escolar dos agressores pode ser normal, ou até mesmo estar acima da média, mas, conforme pesquisas, tende a piorar ao longo dos anos. Admite-se que os que praticam o bullying têm grande probabilidade de se tornarem adultos com comportamentos anti-sociais e/ou violentos, visto que essas atitudes de falta de respeito e violência tendem a se consolidar, transformando-se em esquemas mentais e ações de intimidação sistemática contra aqueles que são mais fracos.
Já os espectadores, ou testemunhas, são pessoas que não sofrem e nem praticam o bullying, mas convivem em um ambiente onde esta prática se faz presente. Normalmente, calam-se. com medo de se tornarem as próximas vítimas. Apesar de não sofrerem as agressões diretamente, muitos deles podem sentir-se incomodados com o que vêem e inseguros sobre o que fazer. Alguns reagem negativamente diante do bullying, por querer que sua escola seja um ambiente seguro, solidário e sem temores. Tudo isso pode influenciar de forma prejudicial sua capacidade de progredir acadêmica e socialmente.

CONSEQUÊNCIAS DA PRÁTICA DO BULLYING
Para a vítima
Na prática do fenômeno bullying existem papéis estabelecidos.
Cada personagem participante tem uma função reconhecida dentro do fenômeno, bem como conseqüências específicas para cada papel. Os indivíduos que sofrem bullying, ou seja, os alvos imediatos, poderão não superar parcial ou totalmente 'os traumas sofridos pelo fato de serem vítimas. A não-superação, seja parcial ou total, dependerá principalmente das características individuais do sujeito, bem como das suas relações com os meios em que vive. Nestes meios, em especial, destacamos as relações familiares que se mostram muito importantes no que se relaciona a ensinar e orientar os filhos e a dar-lhes exemplos que permeiem suas crenças sobre as pessoas e suas relações, bem como sobre a vida.
Durante o peno do escolar, a maior preocupação é a queda do rendimento escolar, assim como a baixa auto-estima e a dificuldade na aprendizagem, pois isto altera significativamente a capacidade natural de socialização com os colegas,  resultando no isolamento social do indivíduo. Outra conseqüência gerada para os indivíduos que são alvos da prática é o fato de tal sofrimento interferir no seu desenvolvimento social futuro (Fante, 2005).
Os efeitos causados em quem sofre a prática do bullying não se findam nó aspecto do desenvolvimento social. Interferem também no desenvolvimento emocional e comportamental, visto que modificam o comportamento e o pensamento, gerando sentimentos negativos e pensamentos de vingança, agressividade, impulsividade, hiperatividade e até abuso de substâncias químicas.
Dos efeitos emocionais sofridos pelos indivíduos que sofrem bullying, podemos destacar que as vítimas não raro experimentam sentimentos de baixa auto-estima e menos valia, de inadequação, de exclusão, assim como ansiedade e 'depressão. Tais sentimentos podem desencadear também o bloqueio dos pensamentos e do raciocínio, estresse e sentimentos de vergonha, medo, confusão e vulnerabilidade diante do abuso. Além disso, a vítima pode desenvolver transtornos mentais e psicopatologias graves e, em casos extremos, tentativa ou consumação do suicídio, assim como o homicídio dos agressores.
Com relação ao desenvolvimento físico do indivíduo que é alvo de bullying, também há prejuízos, pois ele pode vir a apresentar queixas físicas e o desenvolvimento de sintomatologias e doenças de fundo psicossomático como enurese (eliminação involuntária de urina), taquicardia, sudorese, insônia e cefaléia (Fante, 2005).
Ainda podemos explorar outros tipos de conseqüências, tais como a financeira e a social para a vítima e sua família A necessidade de trocar de escola, em geral, acarreta em mais despesas. Também podemos inferir uma alteração na rotina familiar, que, originalmente, encontrava-se organizada e que, possivelmente, será alterada em virtude desta mudança. No aspecto social, uma troca de escola necessita de uma adaptação tanto ao novo ambiente e às regras deste, como aos novos colegas, professores, sendo necessário estabelecer novos laços, ou seja, um entrosamento com pessoas novas. Neste caso, a vítima poderá agir com receio de que práticas de bullying ocorram novamente, mostrando-se mais tímida no contato com os novos colegas, não se entrosando adequadamente ou ainda tornando-se novamente vulnerável a práticas violentas.            .
Embora a troca de escola seja uma solução encontrada para minimizar os confrontos oriundos do bullying, isto pode ser apenas uma postergação do problema. O agressor pode encontrar outro colega vulnerável e continuará com suas atitudes. O problema permanece, visto que a solução foi apenas de ordem paliativa.
Portanto os prejuízos se prolongam para muito além do âmbito escolar, prejudicando a saúde física e mental do indivíduo, bem como seu desenvolvimento emocional.
Para O agressor
Outro personagem que está presente na prática do bullying é o agressor, que é quem pratica o ato e, ao contrário do que se poderia pensar, também sofre as conseqüências dessa prática.
No que se refere ao âmbito escolar, o agressor não se adapta aos objetivos escolares e internaliza uma supervalorização da violência- como forma de obtenção de poder, podendo desenvolver habilidades para futuras condutas delituosas, como uso de drogas, porte ilegal de armas, furtos e a crença de que deve levar vantagem em tudo (Fante, 2005).
Muitas crianças aprenderam a ser agressivas através de um modelo de referência na família. Assim, quando elas experimentam os sentimentos de medo ou ansiedade, usam a agressão e a violência contra os outros como uma forma de defesa. Torna-se grande a possibilidade destas pessoas virem a projetar essas condutas violentas na vida adulta, adotando atitudes agressivas no seio familiar (violência doméstica), ou no ambiente de trabalho, dificultando as convivências pessoais, profissionais e sociais. Alguns estudos realizados em diversos países já sinalizam para a possibilidade de que indivíduos que praticam o bullying na época da escola venham a se envolver, mais tarde, em atos de delinqüência ou crime. Esta agressividade pode ainda ser associada ao tipo de aprendizado que a família proporciona, incutindo direta ou indiretamente uma espécie de intolerância ao diferente, fazendo com que a criança, desde muito nova, passe a repelir e a retaliar todos os que forem diferentes dos padrões normais estabelecidos pela cultura e pela sociedade. Ao projetar tal pensamento para a vida adulta, o opressor pode se tornar um indivíduo preconceituoso e intolerante às diferenças, complicando muito suas relações sociais.
Portanto, comparados aos indivíduos que foram vítimas do bullying, os agressores sofrem tanto quanto, já que os efeitos da prática irão provavelmente interferir na vida adulta dessas pessoas, promovendo dificuldades de relacionamento no trabalho, na família e no âmbito social.
Para as testemunhas
Os atingidos pela prática do bullying não são apenas aqueles indivíduos que dele participam diretamente, ou seja, os alvos e os autores. As conseqüências para as pessoas que presenciam ou se comportam passivamente diante dos atos, isto é, todos os que testemunham tais práticas, também se fazem presentes. Com a ocorrência do fenômeno, principalmente dentro do ambiente escolar, o desenvolvimento sócio-educacional é prejudicado, visto que os alunos acabam sendo impedidos de freqüentar uma escola segura, saudável e solidária, o que deteriora as relações interpessoais (Fante, 2005). As testemunhas se vêem afetadas por esse ambiente de tensão, tornando-se inseguras e temerosas de que possam vir a se tornar as próximas vítimas.   .
O conflito presente nestes indivíduos está relacionado às dúvidas existentes durante a ocorrência do fenômeno, pois, se eles apóiam o bullying, são cúmplices; se apóiam a vítima, podem se tornar alvo; se permanecem em silêncio, podem sentir-se culpados. Este conflito pode promover sentimentos de tristeza, raiva, culpa e vergonha (Fried e Fried, 1996 apud Lawrence ei Adams, 2006). Dentro do grupo das testemunhas, podem ser notadas aquelas que são reforçadoras da prática de bullying, ou seja, aquelas que dão risadas da vítimae incentivam os praticantes e os defensores, que são aqueles que tentam defender as vítimas do bullying (Debarbieux e Blaya, 2002). A maioria dos jovens que são testemunhas opta pelo silêncio, temendo retaliações e que o mesmo ou algo pior aconteça com eles mesmos.
Desse modo, os sentimentos de ansiedade, insegurança e temor também permeiam as testemunhas, fazendo com que o ambiente escolar seja repleto de desconfiança, podendo influenciar suas relações sociais futuras, tornando-os adultos desconfiados e temerosos em suas relações, devido à projeção desta desconfiança.